Em uma situação de crise extrema como a que o mundo vivencia com o COVID-19, o papel fundamental da logística se torna ainda mais evidente. A logística, como as artérias que transportam o oxigênio pelo corpo, permite à sociedade continuar minimamente funcionando sem entrar em colapso total, já que é responsável pelo fluxo de mercadorias entre produtores e fabricantes até o consumidor final.
Em recentes situações extremas como o furacão Katrina ou o tsunami na Ásia, a logística foi o ponto central para manutenção das condições mínimas de funcionamento das áreas atingidas, evitando a instalação de um ambiente de caos completo pela falta de alimentos e medicamentos.
No início da pandemia do COVID-19 na China, este papel chave da logística esteve presente. Em cidades como Whuan, a atividade permitia que os habitantes recebessem alimentos e medicamentos, ao mesmo que havia a restrição máxima da circulação de pessoas e mercadorias entre as regiões afetadas e as demais regiões do país.
No Brasil, situação similar está ocorrendo agora com a chegada da pandemia. Nas cidades, a circulação de mercadorias, principalmente de alimentos e remédios, só acontece pela capilaridade da logística em centros urbanos. No país como um todo, o desafio é manter as entregas de produtos em um ambiente de restrição de circulação de pessoas. Este fluxo de produtos é imprescindível para não deixar a economia entrar em colapso total em meio a um ambiente de imensa incerteza. Recentemente, o Ministro da Saúde Mandetta ressaltou nos principais jornais do país que a vacina contra a gripe, importantíssima neste momento para reforço da imunidade da população à gripe, enfrentava uma situação drástica pela combinação dos problemas presentes na logística interna e a alta demanda existente.
Podemos exemplificar a atuação oculta, mas fundamental, do profissional de Logística e as complexidades do seu trabalho em tempos turbulentos. O primeiro exemplo refere-se ao abastecimento de hospitais com equipamentos para o atendimento das pessoas infectadas pelo COVID-19. Máscaras, respiradores, equipamentos hospitalares e medicamentos precisam estar rapidamente disponíveis para a equipe médica frente ao aumento de casos nos últimos dias. Muitos destes produtos não foram planejados e nem produzidos para atender à demanda atual, já que o contágio tem ocorrido de forma exponencial. Muitos destes itens são produzidos fora do país e os fabricantes não têm conseguido atender a demanda global presente. Isso tem resultado na escassez de produtos em todo o mundo.
Estes produtos precisam ainda ser transportados a seu destino e isto implica em processos de importação/exportação. Com a recomendação de isolamento social, as alfândegas e as empresas de transporte (rodoviário, aéreo ou marítimo) também foram obrigadas a diminuir o número de funcionários trabalhando em horário regular, o que resultou em um tempo maior de trânsito. Vários portos e aeroportos estão operando com controles sanitários rigorosos para evitar a disseminação ainda maior do vírus. Vale mencionar também as restrições a vôos, à atracação de navios e bloqueios de estrada, que não permitem muitas vezes que uma mercadoria seja descarregada no seu destino. Mais uma vez, o tempo de entrega é prolongado e o atendimento é penalizado. Neste contexto, várias profissionais que atuam na área têm trabalhado de forma intensa para vencer estes obstáculos e manter a operação. Por isso, para que os hospitais estejam preparados de forma adequada para o atendimento à população, a logística é fundamental para disponibilização rápida de materiais e equipamentos.
Outro exemplo da relevância da área durante a crise são os dois hospitais de campanha previstos pelo governo de São Paulo, um no estádio de Pacaembu e outro no Complexo do Anhembi. Novamente, a logística desempenha um papel chave para a montagem destes hospitais provisórios, tanto no abastecimento e na movimentação de materiais para a sua construção como no suprimento de equipamentos. Apenas com a disponibilização do material, o carregamento dos veículos e a entrega no horário adequado haverá o atendimento das pessoas necessitadas no período previsto.
Por fim, problemas de logística estiveram diretamente presentes em dois acontecimentos que mudaram a história ocidental: a derrota dos exércitos napoleônico e nazista na Rússia. Novamente, estamos em um momento de grande mudanças em um nível global com a pandemia do COVID-19. Entretanto, a vida cotidiana, com boa parte da população em isolamento nas suas casas, apenas não entrará em colapso total porque os processos logísticos garantem a chegada de alimentos, remédios e serviços de saúde ao seu destino final.
Por: Ely Laureano Paiva, Engenheiro, mestre e doutorado em Administração pela UFRGS, é Professor Titular da FGV EAESP e Priscila Laczynski de Souza Miguel, Engenheira, mestre e doutora em Administração de Empresas pela FGV EAESP, onde é professora e Coordenadora do Centro de Excelência em Logística e Supply Chain da Fundação Getulio Vargas – SP (FGVcelog)
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