O advogado e administrador público Carlos Gouvêa está há cinco anos à frente da secretaria executiva da CBDL. No final de setembro ele concedeu entrevista ao site da J. Moraes onde analisou o setor de diagnóstico laboratorial. Para ele, o cenário, apesar dos avanços, é crítico e entidades como a CBDL são o elo entre os importadores/fabricantes e os intervenientes do setor.
Qual o papel da CBDL no setor de diagnóstico laboratorial?
Carlos Gouvêa – A CBDL é uma entidade antiga, da década de 80, que nasceu com o objetivo principal de ser uma força para as empresas importadoras, representantes de grandes empresas mundias do setor de diagnóstico in vitro, e que não encontravam um ambiente muito favorável, nem para se fixar de forma adequada no País, muito menos para crescer. Nesse período, ela cresceu, e seu objetivo principal é congregar as empresas do segmento de diagnóstico in vitro. Na verdade, atualmente do diagnóstico como um todo, podendo ter dentre seus associados empresas do setor de diagnóstico in vitro e in vivo (equipamentos de diagnóstico por imagem, por exemplo).
A entidade representa os interesses de quantos associados, atualmente?
Gouvêa – São 42 associados, representando cerca de 75% do mercado. Ou seja, é uma entidade muito representativa. Além disso, a CBDL atua em âmbito nacional e é a legítima representante desse segmento, não só perante a ANVISA, o Ministério da Agricultura ou o Ministério da Saúde, mas também para questões legais. Mas a ideia sempre foi crescer de tal forma que conseguíssemos ter uma noção muito clara dos elos da cadeia, com a perfeita identificação de quem são os nossos fornecedores, os nossos clientes e tentar fazer sempre um trabalho para unir todos os elos e conseguir ter mais força e mais representatividade.
Nesse período, qual a conquista mais importante?
Gouvêa – A principal conquista é o respeito do próprio associado em relação à entidade. Sem isso não se conquista nada. A CBDL estava passando por um período de crescimento, porém, na verdade, as pessoas questionavam o porquê da entidade, porque deveriam se associar. Muitos até, acabaram não se associando por não acreditarem. Foi aí que conseguimos resgatar a função principal de uma entidade, o que ficou patente. Conseguimos isto e muito mais, inclusive adotamos um posicionamento adequado perante as grandes entidades regulatórias, como a ANVISA, e o próprio Ministério da Saúde, que passaram a enxergar o setor de diagnóstico de outra forma. Hoje, a CBDL é consultada para diferentes projetos.
O Senhor pode nos dar um exemplo?
Gouvêa – Com a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica – SBPC, nós, além de termos uma atuação muito forte nos Congressos, conseguimos elaborar um mega projeto. Trata-se de um Portal de Diagnóstico chamado Lab Tests Online – LTO, cujo objetivo principal é trazer uma informação palatável e acessível para pessoas leigas e até mesmo para profissionais de saúde do setor de diagnósticos. Quando um médico prescreve alguns exames ao paciente ele não tem ideia do que se trata, muito menos dos resultados. Diante do enorme acesso às tecnologias é possível buscar na internet alguma informação. Só que nem sempre se encontra a resposta correta. É até possível encontrar uma resposta, mas a chance de se achar uma resposta que leve a erro, ou a conclusões precipitadas é enorme. Então, até por não termos esse tipo de respaldo técnico fidedigno, correto e confiável, a CBDL junto com a SBPC entraram nesse projeto e trouxeram dos Estados Unidos um grande projeto, que lá já funciona há algum tempo, que é o Lab Tests Online. Encontramos também na Europa e a versão brasileira está sendo, agora, vertida para o português. A ideia é ter, até o final do ano que vem, mais de 300 testes disponíveis no site para consulta.
Já está em funcionamento?
Gouvêa – Começou em setembro. Foi lançado dentro do Congresso da Patologia Clínica, no Rio de Janeiro, em 15 de setembro, e tem tido um resultado bastante interessante. Um número de acessos considerável ao site www.labtestsonline.org.br. A ideia é que avance mais.
É uma bela conquista?
Gouvêa – Sim. Outro exemplo é a discussão de incorporação sobre novas tecnologias, que até então ninguém discutia isso para o setor de diagnóstico, apenas para o setor de medicamentos. Quando não temos um diagnóstico preciso, com tecnologia que realmente permita reduzir o tempo de espera, a janela até se ter a resposta adequada gera desperdício de dinheiro. Muitas vezes um tempo precioso para uma terapia adequada. Ou seja, já é mais do que sabido que um diagnóstico precoce traz não só benefício para o paciente, em termos de acesso mais rápido à terapia, como para o próprio estado, pois se reduz o custo da saúde pública como um todo.
Quanto o setor de diagnóstico e equipamentos médicos representa em nossa economia?
Gouvêa – Eu diria que diagnósticos, equipamentos e correlatos representam menos de 2% do PIB. A maior parte é medicamento mesmo. Temos um peso relativamente pequeno num setor que tem uma indústria muito pulverizada, que necessita de grande tecnologia, de ponta, e com ciclos de vida de produtos muito curtos. Isso quer dizer que transferir essa tecnologia para o país não é tão fácil, nem rápido, nem simples, e não se terá, necessariamente, escalas suficientes.
Mas essa parece ser uma discussão inevitável, não?
Gouvêa – Sim, mas é errônea a ideia de se transferir toda a tecnologia para o País. Não é assim. A própria CBDL, até para tentar organizar a questão, e considerando que é inevitável a discussão, está com um projeto para estabelecer um centro de excelência em desenvolvimento e produção de diagnósticos in vitro no Brasil. É um projeto preliminar, que já levamos para a ANVISA, vamos levar para o Ministério da Saúde, com a proposta de sermos parceiros no sentido de ter áreas de produção, próximas a área acadêmica, ligadas a uma universidade e a um setor, por exemplo, a um armazém alfandegado, ou uma zona secundária, para facilidade de importação de insumos. Na medida em que formos capacitando a própria universidade, avançaremos para fases mais complexas, tendo assim um produto acabado, que seria não só abastecido para o mercado nacional, mas até, aproveitando a zona secundária, exportado para outros países da América Latina.
A CBDL tem o papel de interferir junto aos órgãos intervenientes do setor. Existe algum problema pontual que esteja atravancando o desenvolvimento do setor?
Gouvêa – Acredito que a falta de infraestrutura necessária é um problema seríssimo. Nós vimos o caso da Infraero, que hoje está no seu limite em termos de estrutura aeroportuária. Tivemos, tanto Guarulhos como Viracopos, uma melhora, mas ainda temos alguns limitadores.
A CBDL esteve, através da sua pessoa, na Infraero de Guarulhos para discutir o problema de armazenagem das cargas e suas consequências. Houve alguma melhora depois disso?
Gouvêa – Melhorou. Sentimos que eles pararam e se organizaram. Mas fica a pergunta: será que só agora a Infraero sentiu a necessidade de pedir permissão para trabalhar aos sábados? Quer dizer, o maior aeroporto da América Latina não trabalhava aos sábados, embora os aviões chegassem sábados e domingos… É exemplo de uma questão que não se podia imaginar, mas, seja como for, estamos buscando tirar esse atraso. Sentimos boa vontade dos profissionais que lá estão e temos que dar o crédito, cobrando os resultados.
Quanto o modal aéreo representa neste segmento?
Gouvêa – No caso de diagnóstico, eu diria que 80% é trazido pelo áereo. Isso em termos de reagentes. Quando se trata de equipamentos de diagnóstico, em virtude dos tamanhos, e com bom planejamento, segue pelo marítimo. Guarulhos e Viracopos são dominantes e, acredito, Confins está disputando o terceiro lugar com o Rio de Janeiro. Temos Santa Catarina como zona de desembaraço de importância crescente e Recife que é outro polo que está surgindo.
Além da Infraero, existe algum outro complicador?
Gouvêa – A própria ANVISA, pois em portos e aeroportos a questão nos preocupa muito. A própria CBDL tem se movimentado porque o quadro é gritante. Viracopos, hoje, reduziu sua força de trabalho em cerca 50% em função das aposentadorias dos profissionais, cuja vaga não tem reposição imediata e, não tendo, o histórico também some. Assim como Guarulhos teve um apagão na área de importação em julho, agosto foi o mês de Viracopos, que acabou tendo uma série de problemas em função de troca de sistema da ANVISA. Em Brasília, ficaram cerca de 6 dias sem poder operar no sistema. Na semana seguinte foi um problema de manutenção do sistema em Viracopos, ou seja, duas paradas muito próximas. Soma-se a isso o acúmulo e o aumento de importação…
O que a CBDL tem feito nesse sentido?
Gouvêa – Fizemos uma reunião com alguns chefes de aeroportos e a partir daí fomos à diretoria da ANVISA para levar essa preocupação. Obviamente, estão cientes e a ideia é se fazer um esforço conjunto, da própria ANVISA com o setor regulado. Se não fizermos uma pressão política dentro dos agentes de governo como a Casa Civil e o Ministério do Planejamento, para buscarmos uma forma de repôr essas vagas o mais breve possível, corremos o risco de termos um colapso efetivamente.
Acredito que o papel do despachante aduaneiro nesse momento é fundamental porque se ele não for um bom conhecedor das Leis e não tiver um bom trânsito junto a esses órgãos intervenientes pode, também, causar prejuízo em algum momento dessa cadeia.
Gouvêa – Claro, isso é nítido. Na medida em que temos uma regulamentação cada vez mais rigorosa, com menos pessoas no próprio sistema, qualquer tempo perdido causado por um erro, de análise, de preparação, um erro no processo, causa um transtorno muitas vezes irreversível e um prejuízo muito grande. As consequências são das mais diversas.
O Senhor poderia citar um exemplo?
Gouvêa – É uma exigência que pode ser feita num processo e que não precisaria existir se tivesse sido instruído de forma correta. Ou mesmo um indeferimento, uma licença de importação e aí sim gerar o perdimento da carga, onde o prejuízo é gigantesco. Mas eu diria que o pior é a empresa atrelar uma má imagem a si mesma por conta de um mau despachante. Então, é fundamental analisar primeiramente se o seu despachante trabalha na linha de produtos em que se atua, se realmente ele é conhecedor da legislação vigente para aquele segmento e, obviamente, se ele dá as respostas adequadas, precisas e se tem um bom relacionamento.
Mesmo porque até bem pouco tempo atrás não era esse o conceito do despachante aduaneiro.
Gouvêa – Eu diria que no segmento de saúde, especialmente no segmento de diagnóstico, atualmente não se pode contar com profissionais desse tipo. É preciso que o profissional seja experiente, rápido e efetivo nas respostas. E que conheça. Porque os montantes são altos, as demandas são crescentes, a manutenção de estoque hoje é inviável, pois isso é capital de giro e, obviamente custo, mas fundamentalmente, você pode sofrer sansão do seu cliente.
No setor marítimo também existem gargalos ou eles se concentram no aéreo?
Gouvêa – Segue na mesma linha do aéreo. Eu diria que os problemas são muito mais relacionados à ANVISA do que à própria infraestrutura portuária. Hoje, já se começa a criar algumas opções a Santos, que ainda é a principal opção. Temos áreas de desembaraços interessantes no sul e no Rio de Janeiro iremos contar com alguns portos novos. Isso significa uma ou outra alternativa, mas o grande porto ainda é Santos, que tem suas fases. Atualmente a fase é boa. Os processos estão sendo liberados de forma relativamente rápida, até porque é possível fazer o início do processo antes da atracação do navio. Ganha-se um tempo muito interessante.
Além de Secretário Executivo da CBDL, o senhor é Presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos Dietéticos e Para Fins Especiais – ABIAD, e também diretor Presidente da CMW. Fale um pouco sobre sua empresa.
Gouvêa – A CMW é uma empresa focada na área de saúde. Ela tem cinco anos e começou na área de nutrição enteral. Começamos uma parceria sólida com uma empresa alemã e que está em terceiro ou quarto lugar no ranking. Somos distribuidores exclusivos para boa parte do estado de São Paulo e para a Bahia. Como a nossa experiência era grande na área de nutrição especializada aos poucos fomos agregando novos produtos. Depois disso, uma segunda empresa, também alemã, acabou fechando uma parceria conosco e começamos a importar produtos de destaque também para segmentos específicos, como erro inato do metabolismo (doença rara, normalmente de origem genética, que pode ser detectada através do teste do pezinho) e alergias alimentares.