O incêndio na Ultracargo, a operação mais difícil já enfrentada pelo Corpo de Bombeiros do Estado, trouxe à tona a falta de acessos à zona industrial de Santos e à margem direita do porto – o maior da América Latina. Existe apenas uma entrada e uma saída para os caminhões destinados às duas áreas.
Trata-se do elevado “Paulo Bonavides”, conhecido como viaduto da Alemoa. Localizado na entrada de Santos, ele conecta o Sistema Anchieta-Imigrantes ao distrito industrial da Alemoa (onde está a Ultracargo) e à avenida portuária em Santos. O distrito reúne 376 tanques de líquidos inflamáveis.
A margem direita do porto concentra 46 dos 55 terminais do porto – o restante está na margem esquerda (Guarujá) do cais. Empresários pedem há anos às autoridades a duplicação do viaduto e uma entrada e saída independentes para o distrito, mas nada saiu do papel. “A área industrial é estratégica para a cidade e está encravada na entrada do porto, deveria haver opções. E quando um sinistro dessa magnitude ocorre, não existe acesso independente. Espero que essa lição sirva de aprendizado”, disse Mike Sealy, vice-presidente da Associação Brasileira de Terminais de Líquidos (ABTL) e diretor da Stolthaven, vizinha à Ultracargo.
O presidente da Associação das Empresas do Distrito Industrial e Portuário da Alemoa (AMA), João Maria Menano, diz que o incêndio é um ponto de inflexão. Há mais de 15 anos a AMA faz pleitos às autoridades, “desde Artesp, governo do Estado e Prefeitura de Santos”, sobre a necessidade de alternativas.
Segundo a prefeitura, os acessos aos terminais da Alemoa estão contemplados no projeto de mobilidade para a entrada da cidade, que prevê a remodelação do atual viaduto e a implantação de um novo elevado. A Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) disse estar “ciente da situação e das reivindicações de empresários e usuários” e que “há projeto” sobre a criação de nova pista de acesso à Baixada Santista, em análise pelo governo do Estado de São Paulo.
O distrito industrial da Alemoa fica fora do porto, portanto as empresas que lá estão não são subordinadas à jurisdição da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), estatal federal. Elas têm a titularidade dos terrenos e acessam o cais para embarcar e desembarcar nos navios por meio de dutos, via contratos de servidão de passagem.
Segundo a prefeitura, a Ultracargo tem alvará de funcionamento e também possui licença emitida pela Cetesb. As aplicações de multas serão definidas durante a investigação, que contará também com a participação de outros órgãos, como o Ministério Público. Justamente por causa da dificuldade do acesso único, a proibição de caminhões destinados à margem direita do porto foi estendida até sexta-feira, para evitar tumulto na chegada a Santos.
A descida de carretas destinadas à margem esquerda do porto e a Cubatão está liberada, assim como o tráfego ferroviário nas duas margens. A margem direita recebe até 12 mil caminhões por dia e responde por 55% da movimentação do porto. “Meu foco são as pessoas, a população já foi altamente prejudicada com esse incêndio”, disse o prefeito Paulo Barbosa (PSDB), ao ser questionado sobre os prejuízos dos terminais devido à proibição.
A Codesp disse que revisará hoje a interdição. Segundo a estatal, o porto possui um parque de armazenagem considerável, que permite manter as operações de embarque e descarga em alguns terminais por um período mais longo. “Entretanto, alguns terminais poderão apresentar problemas em prazos menores, caso a restrição de acesso se prolongue.”
Fonte: Valor Econômico/Fernanda Pires | De Santos