Nos últimos 20 anos, o Brasil manteve praticamente inalterada sua estrutura de proteção tarifária. A tarifa média de importação era de 13,6% em 2003 e passou a 12,9% em 2012, segundo trabalho recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em 2012, os principais “concorrentes” do Brasil mantinham tarifas médias entre 4,5% e 9%. Outro trabalho, com metodologia semelhante, aponta que em 1995 a alíquota média brasileira era de 13,1%.
Enquanto o Brasil manteve tarifas estáveis em um patamar elevado, vários “concorrentes” – China, México e Argentina entre eles – reduziram os impostos sobre a importação nos últimos dez anos. Esse movimento de queda é mais expressivo nos bens intermediários, onde estão insumos e componentes e peças utilizados por outros setores industriais.
Representantes da indústria e economistas avaliam que o Brasil, mais uma vez, está ficando “isolado” e a inserção do país nas cadeias globais de produção depende de uma nova rodada de abertura comercial. Há divergências, contudo, quanto ao “timing”, tamanho e forma de fazê-la, se unilateral, como nos anos 90, ou dentro de acordos de comércio.
A última vez em que o Brasil fez uma redução tarifária de “vulto” foi nos anos 90, durante a presidência de Fernando Collor de Mello (hoje, senador reeleito pelo PTB). Naquela época, a alíquota média, que era de 32% em 1990, caiu até chegar a 13,1% em 1995, já no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Desde então a tarifa média vem oscilando em torno desse patamar.
Flavio Lyrio Carneiro, técnico de planejamento do Ipea e autor de amplo estudo e de levantamento de dados sobre a proteção tarifária no Brasil, especialmente sobre bens intermediários, observa que nos anos mais recentes o Brasil chegou a elevar alíquotas, movimento ainda mais na contramão do mundo e que dificulta a inserção das companhias brasileiras nas cadeias globais de produção.
“A importação é essencial para quem quer exportar”, diz Carneiro, lembrando que hoje, no mundo, a regra da produção é a fragmentação em diferentes locais. Ao taxar mais os insumos, diz ele, o Brasil afeta ainda mais a competitividade da indústria brasileira.
Carneiro fez um amplo levantamento e comparou tarifas brasileiras com as de outros países a partir de dados do Sistema de Análise e Informação Comercial da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Trains/Unctad). O pesquisador optou por comparar a média simples de tarifas efetivamente cobradas e não a média ponderada pelo valor por considerar que, dessa forma, a magnitude da proteção fica mais evidente. O estudo está publicado no site do Ipea no texto para discussão “Comércio e Protecionismo em Bens Intermediários”.
Entre 2003 e 2012, enquanto o Brasil mantinha intacta a proteção tarifária, a alíquota média de importação de bens intermediários na Argentina passou de 12,37% para 7,69%, e a da China, de 9,44% para 6,93% – no caso chinês, o último dado é de 2011. México, Colômbia, Índia e Tailândia fizeram movimentos semelhantes.
Preocupado em não generalizar demais os dados, porque o setor de intermediários é muito heterogêneo, Carneiro detalhou vários setores, como têxteis, químicos, plásticos, siderúrgico, entre outros, em um total de oito “capítulos”. As tarifas médias brasileiras são, em quase todos os casos, as maiores, seguidas pelas da Argentina.
A própria indústria brasileira já admite que, em algum momento, o Brasil precisará revisar a estrutura de proteção tarifária hoje em vigor. O momento e a forma de mexer nessa estrutura, contudo, causam polêmica. Enquanto o governo da presidente Dilma Rousseff manteve a estrutura tarifária vigente e até reforçou a proteção em alguns casos, o programa de governo de Aécio Neves (PSDB) fala em reduzir a carga tributária sobre exportações e em reduzir o número de alíquotas de importação, mas não defende, explicitamente, uma nova rodada de abertura comercial e uma redução acentuada na proteção hoje em vigor.
José Augusto Fernandes, diretor de políticas e estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), reconhece que o nível das tarifas de importação é um dos elementos que afetam a competitividade interna. A questão, diz ele, é que uma abertura comercial não pode ser analisada de forma isolada dos outros fatores que elevam o custo Brasil. “A estrutura de proteção tarifária vai sofrer revisão no futuro, mas esse movimento precisa ser acompanhado de iniciativas que reduzam o custo Brasil. Sem isso, vai prejudicar ainda mais a competição dos produtos brasileiros.”
O presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Pedro Passos, é mais incisivo. O Brasil, reconhece ele, ficou com tarifas de importação praticamente estabilizadas na última década, “o que é ruim para os movimentos globais de integração produtiva”. Segundo ele, tarifas elevadas são um dos elementos que tiraram competitividade da indústria brasileira nos últimos anos, ao lado da moeda muito valorizada, do aumento do custo da mão de obra e da energia, além da carga tributária, que já era elevada e assim continuou.
“Quando a matéria prima é oferecida por preços acima dos preços internacionais, o resto da cadeia produtiva da indústria não tem chances de competir”, afirma Passos. “E aí perdemos a exportação e estamos perdendo também o mercado interno.”
Para Passos, a política de comércio exterior do atual governo reforçou uma agenda mais defensiva, que não estimulou, nem favoreceu, uma atividade mais agressiva da indústria brasileira no sentido de se expor e buscar mais o mercado externo. Ao mesmo tempo, ele reconhece que a posição do governo (e não só do atual) também é fruto da ação de lobby de grupos fortes do setor industrial, que buscam proteção. Apesar de as tarifas de importação serem um custo extra, desmontar a estrutura atual não pode ser feito de forma abrupta e isolada de outras medidas.
Além de mudanças que reduzam o custo interno – no campo tributário, de pessoal, de energia e de logística -, Fernandes, da CNI, pondera que a estrutura de proteção não pode ser alterada sem um olhar muito atento ao que acontece no mundo. Hoje, diz ele, há uma sobreoferta de produtos siderúrgicos no mercado mundial e o gás de xisto está provocando uma brutal queda nos custos de produção de insumos químicos e petroquímicos nos Estados Unidos.
“O Brasil precisa montar sua estratégia olhando para o que acontece no mundo”, insiste o executivo da CNI. A proteção de um setor, diz ele, significa desproteger outro, por isso a equação da “desproteção” é complexa.
O professor Lucas Ferraz, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV), defende ação mais firme na redução das tarifas de importação. O Brasil, diz ele, é um dos países mais fechados do mundo. “Em um ranking de 133 países, o Brasil é está em último lugar.” Hoje, a estrutura de produção não é mais baseada no “adensamento das cadeias produtivas” – como ainda está presente no discurso oficial -, mas na integração, com diferentes etapas de produção sendo feitas em diferentes lugares do mundo. “Se a indústria brasileira quer retomar produtividade para exportar, precisa se integrar às cadeias globais, e para essa integração, precisa de tarifas menores na importação de bens intermediários. Essa não é a única mudança necessária, mas ajuda”, resume Ferraz.
Para Ferraz, a integração do país em cadeias globais não pode ser entendida como uma participação menos nobre. Ele concorda que a parte mais interessante é aquela que envolve o setor de serviços (design, marketing, planejamento), mas chama atenção para o fato de que os países que mais crescem no mundo são aqueles onde estão localizadas as fábricas que integram cadeias globais de valor, como países do Leste Europeu e a própria China. “Os emergentes estão ficando com a indústria de transformação e isso não tem sido ruim para esses países, pelo contrário”, diz.
Um país como o Brasil, diz Ferraz, com indústria ainda ineficiente, não vai ficar com etapas mais nobres da produção, então, precisa abrir a economia e atrair etapas importantes. Os países integrados vêm atraindo investimento industrial e gerando emprego, mas o Brasil tem ficado fora do processo. “Não dá para o Brasil insistir no ‘made in Brazil’ quando o debate é ‘made in the world’ “, pondera.
Fonte: Valor Econômico