Empresas sofrem com falta de investimentos da Petrobras e dificuldades de obter recursos
Os 50 estaleiros espalhados pelo Brasil e as empresas envolvidas na cadeia de produção da indústria naval enfrentam um momento grande de incerteza, depois que a Petrobras, responsável por 70% a 80% das encomendas, começou a cortar investimentos. E estão com dificuldade para obter recursos. Os bancos apertaram a liberação de crédito, principalmente para aquelas que têm como sócios construtoras envolvidas na Operação Lava Jato.
Para tentar compensar a falta de crédito, o governo acenou com a liberação de mais recursos. Neste ano, informou o Ministério dos Transportes, o orçamento prevê um volume recorde de recursos para o Fundo Marinha Mercante, principal fonte de financiamento do setor. A previsão é chegar a R$ 6,3 bilhões, bem acima dos R$ 4 bilhões de 2014 e dos R$ 5 bilhões de 2013.
O problema é mais grave no Rio de Janeiro, que é responsável por mais da metade da produção naval nacional. O estado fluminense abriga hoje 22 estaleiros e mais de 260 empresas na cadeia produtiva da Petrobras.
Segundo o presidente da Federação da Indústria do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, os contratos de muitas empresas entraram neste ano em fase final e, sem novas encomendas, o setor tende a parar. Ele quer ajuda do governo federal e defende até uma intervenção, se for o caso, nas companhias que são suspeitas de corrupção, para que os negócios sejam mantidos.
Um dos principais estaleiros do Rio de Janeiro é o BrasFels, controlado pelo grupo Keppel, de Cingapura, que tem contratos para produzir seis sondas para a Sete Brasil e, desde dezembro, está sem receber o que lhe é devido por contrato. Na semana passada, com a notícia de que o empréstimo de US$ 3,2 bilhões que o Bndes daria à Sete Brasil foi suspenso, a repercussão foi imediata. O banco OCBC, de Cingapura, soltou um relatório informando que a Keppel poderia ter “encomendas canceladas”.
A dúvida em relação à demanda da Petrobras é o que mais preocupa a indústria. O diretor do comitê de óleo e gás da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, Marcus Coester, diz que apenas a especulação de que a Queiroz Galvão poderia deixar de produzir as plataformas P75 e P77, por divergência com a Petrobras sobre o contrato, levou os trabalhadores às ruas da cidade de Rio Grande, que abriga três estaleiros, a protestar na última semana.
Os atrasos na execução dos contratos preocupam. Na sexta-feira, a empresa norueguesa Seadrill, perfuradora de poços, anunciou que retirou de sua carteira de projetos dois contratos no valor total de US$ 1,1 bilhão com a Petrobras, por acreditar que os termos dos acordos não serão cumpridos pela estatal. Suas ações na bolsa de valores de Oslo caíram 9,63% após o anúncio.
Com dívida de R$ 1,5 bilhões da Sete Brasil, estaleiros cortam sua produção e demitem
Com uma carta aos funcionários dizendo que a indústria naval vive uma crise sem precedentes e que os atrasos de pagamento da Sete Brasil tornaram sua situação insustentável, o estaleiro Enseada, no Recôncavo Baiano, demitiu, na sexta-feira, 350 trabalhadores. O número de demitidos acentua ainda mais a queda de empregados no setor de construção naval. Segundo o Sindicato da Indústria Naval, só em janeiro deste ano, foram cortados três mil postos.
As dificuldades enfrentadas pelos cinco estaleiros que prestam serviços para a Sete Brasil, com contratos de US$ 25 bilhões para construção de 28 sondas a serem usadas pela Petrobras na exploração do pré-sal, chamam a atenção em função da inadimplência da empresa, que teria deixado de pagar entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões desde novembro. E é no estaleiro da Bahia que a situação parece mais grave.
O estaleiro Enseada, que pertence às construtoras Odebrecht, OAS e UTC, além do grupo japonês Kawasaki, começou a ser construído em 2012 para atender a demanda do pré-sal. O estaleiro já está 82% concluído, mas as obras foram paralisadas desde que a Sete Brasil começou a atrasar pagamentos e três mil trabalhadores foram desmobilizados.
As demissões alcançam o estaleiro, que informou a suspensão da produção, assim como outros fornecedores da Sete Brasil. A empresa está desde novembro sem pagar o Enseada e a dívida já chega a R$ 500 milhões. Com a inadimplência de seu único cliente, está impossível obter o crédito necessário.
Também sem receber, o estaleiro Rio Grande, da construtora Engevix, reduziu o ritmo da produção e a empresa só não demitiu, porque tem outros contratos em andamento e conseguiu transferir seus funcionários para trabalhar em outras embarcações. Os atrasos da Sete com o Rio Grande chegam a R$ 180 milhões, e a estimativa é de que atinjam R$ 250 milhões.
Montante parecido é devido ao estaleiro Jurong, do grupo SembCorp de Cingapura, segundo informou o presidente mundial na semana passada. O presidente do estaleiro no Brasil chegou a ameaçar processar a Sete na Justiça.
Segundo fontes próximas à companhia, outros R$ 900 milhões estão em atraso com os outros dois estaleiros, o Atlântico Sul, que pertence à Camargo Corrêa e Queiroz Galvão, e o estaleiro BrasFels, do grupo Keppel de Cingapura. E as demissões também já começam a ser percebidas no Atlântico Sul.
Nenhum dos estaleiros quis conceder entrevistas sobre o assunto. O estaleiro Jurong informou apenas que as atividades estão normais. O Enseada confirmou as demissões. E o Rio Grande disse que teve de realocar pessoal. Atlântico Sul e BrasFels, não quiseram comentar.
Envolvimento na Operação Lava Jato dificulta os financiamentos
Há menos de duas semanas, vieram à tona os termos da delação premiada de Pedro Barusco, ex-diretor da Sete Brasil, e todos os estaleiros foram envolvidos na Operação Lava Jato. Eles teriam pago propinas à empresa para fechar os contratos. Isso vai dificultar a liberação do financiamento do Bndes, de cerca de US$ 3,2 bilhões. O dinheiro serviria para garantir a construção do primeiro bloco de sondas. A Sete informou que “está em constante negociação com os estaleiros e que confia que, em breve, terá aprovada a liberação dos recursos contratados com o Bndes”.
As dificuldades da Sete começaram quando Barusco, em novembro, fez o acordo de delação premiada. Como além de ex-funcionário da Petrobras, era ex-diretor da Sete, surgiu a dúvida se haveria implicação da empresa. Em dezembro, a então diretoria da Petrobrás ameaçou desistir do contrato de sete sondas, que faziam parte do contrato do Atlântico Sul. Sem ele, a Sete, controlada pelos bancos BTG, Santander e Bradesco, além de fundos de pensão, iria à bancarrota. Em janeiro, com a intervenção do governo, a diretoria da Petrobras voltou atrás e assinou o termo. Mas o Bndes fez ajustes, e quando a Petrobras iria novamente assiná-lo, a diretoria da empresa mudou.
Fonte: Jornal do Comércio – Porto Alegre – RS